Atrasado! Gritam
todas as paredes naquele pequeno caos matinal. A mão vai ao olho com força - é a última
tentativa desesperada de tampar a luz do sol. Ao lado, vibrando, o despertador.
Desiste de resistir à luz do sol e aceita o tapa daquela mão amarelada em seu
rosto. Era agora, ou, era logo antes de agora, ou melhor, já era. E ele não
estava lá. Atrasado! Mugiu a vaca de dentro da caixa de leite. O líquido branco
escorreu pela barba rala – não adiantava mais correr. Liga o chuveiro e ensaboa
o corpo. A água quente limpando o suor da noite anterior. Não sabia qual seria
o próximo passo. Tentava se concentrar. Atrasado! Zuniam as abelhas de dentro
do seu ouvido. Lembrou-se de tudo num estalo. Teria que correr para chegar na
hora e local devido. Lamentou-se, pois não chegaria a tempo, por mais que
tentasse. Ainda assim vestiu-se e foi. Não sabia bem o motivo, apenas tinha
aquela estranha convicção que tinha que estar ali. Atrasado! Murmuravam os
passos naquele beco já seu velho conhecido. O cheiro inundou-o de memórias. Sol
ao alto, neblina abaixo. A visão tornava-se turva em meio aquela fraca fumaça
molhada. À medida que ia chegando perto
seu coração aumentava o ritmo. Atrasado! Gritava o sangue em suas veias. Embora
não o visse, podia sentir seu gosto no ar. Aquele doce veneno nunca deixaria
sua boca. Seria esse o preço a pagar? Aproximou-se lentamente. De repente o
ouviu – de um mero gemido a um grito estridente. Atrasado! Insiste o despertador...