domingo, 27 de fevereiro de 2011

Quatro Estrelas

    Era chegada a hora. Depois de anos lutando, o reconhecimento viera. A luz da quarta estrela contrastava com o olhar vazio. O brilho da espada ofuscado pela bainha. Encontrava-se altivo no novo uniforme. O escritório cheirava a couro e tabaco. Perfume francês requintava o ambiente. No salão, era festa, um exército de homens de azul. Caras sérias, sisudas. Bocas encontrando o alento da última noite frígida no whisky.
     Movimento. Beethoven envolve o ambiente. Um gesto rápido rouba a lâmina afiada da bainha. Choque. O vermelho mancha de negro o azul ferrete. E, de repente, frio. No chão, uma rubra poça espessa. O maravilhoso cheiro férreo adocicado envolve o ambiente. E o movimento para. Uma alma liberta-se da prisão daquele corpo. Tão cultuado em vida. Agora frio, reduzido a bruta matéria. Nem pode desfrutar do novo poder.
     Parada, encostada a janela, contempla sua obra. E, paulatinamente, a memória esvanece. Mas a mesma voz rouca de êxtase ainda ecoa em sua mente: “Não resista sargento, ou eu providencio seu desligamento”.  

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Aqueles Olhos

     Sua última visão foi a luz daqueles olhos. Olhos que brilhavam como diamantes. Um farol para marinheiros embriagados na tempestade. Por um momento, esperança de salvação.      Antes, muito antes, aventurou-se só por aquela terra desconhecida. No início, o ânimo. A coragem de um adulto aliada à ingenuidade de uma criança. Gelo e fogo tentando fundir-se.
     
E viu-se na natureza selvagem. A razão bem que tentou, mas foi violentamente estuprada pelo desespero. Por dias vagou por aquelas trilhas. A loucura dialogava com as árvores. Sempre a mesma pergunta: “Já passei por aqui?”
     Caiu. Sua tenra carne alimentando vorazes insetos. As árvores silenciaram-se. Teve como únicas companhias o medo e a solidão, que debochavam dos seus cachos cor de ouro.
     Até que veio a chuva. A água fria caia em pesadas gotas que furavam as copas. Ácido queimando sua pele. Foi quando encarou a face da dor. Esta gritou com a luz até ela fugir.
    
Sua pequena mão tateou o escuro ao redor, só havia vácuo. Não soube quanto tempo ficou ali. Minutos, horas, dias. Frio.
    
Ouviu o medo em seu íntimo. A esperança veio naqueles globos de luz e o expulsou. Calor, conforto e paz passaram marchando em sua frente.
    
Teve a mais bela visão de sua vida: um cavaleiro alto, pele pálida, cabelos escuros, nariz aquilino, trajes negros. E aqueles olhos.
    
Uma suave melodia invadiu o ambiente. Desceu do cavalo. Seu cheiro a deixou tonta. Um convite para um dança. Sim. Fim. A dança da morte é eterna.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Nemo

              Surpresa! Era o futuro batendo à porta, alguns meses antes do previsto. A mente jovem porém  não se incomodou. Pelo contrário, escapou para o éter da inconsciência. Vagava no infinito, deixando em ação o piloto automático. Tão logo podia, escapava para o mundo de Morfeu. E assim passou os dias. Tentou acordar em uma manhã de domingo, mas as horas na estrada roubaram o domínio de si mesmo.
                Calor. Não conseguia viver outra coisa. Encontrava-se perdido num mundo onde moinhos de vento realmente se achavam gigantes. Mas de novo o futuro. Um encontro casual, em um bar. Embriagado pelo destino, presenciou a si mesmo em queda. 
               Abismo. Achou que o choque finalmente expulsaria o estranho comandante. Mas não, de volta ao calor. Era quase o inferno. Passou 24 horas nos braços de Morfeu. Não havia medo, desespero, esperança. Somente matéria agindo por si só.
              Dúvidas. Finalmente a luz da consciência acendeu-se no caos. Não sabe o que quer: salvar vidas, projetar um avião, matar em um avião, cruzar o Atlântico rumo ao Velho Mundo. Não sabe sequer quem é ou o que gosta.
              Assim vai vagando. Fantasma rastejando sobre escombros de guerra. Carne viva, alma morta. Distante. Over the hills and far away.

PS. Nunca fui bom em escrever sobre minha vida.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Judas Redemption

Eu sou um Judas santo
Perdido no meio do universo
Andando só, buscando a luz
Vendo o céu cair e o mundo sorrir

Nada em minha vida faz sentido
Já estou cego para o mundo
Surdo para os hipócritas covardes
Mas o segredo é caminhar

 Matança, tudo que eu quero é seu sangue
Ódio, o que me guia é meu pecado
Cobiça, compre-me com seu ouro falso
Desejo, arde em meu peito por vingança


Minha mãe é minha dor
E com meu peito um traidor
Gritando alto por redenção
Um louco acorrentado no escuro

Nenhuma tortura me machuca mais
Nenhum vinho é capaz de embriagar-me
Eu lavo as mãos com as lágrima do mundo
E elas ficam imundas de miséria

Não provarei a lâmina da espada
A morte rápida é para os covardes
O martírio da cruz me espera
Na dor terei abrigo e calor

Livre para um mundo agora estou
Em minha alma ninguém toca mais
Meu corpo estremeceu perante todos
Um túmulo agora é meu berço.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Butterfly

No início não passava de um minúsculo ovo amarelo. Ouro sobre o brilhante verde. Então eclodira, um pequeno verme frágil pululante. Era só fome, devorava vorazmente tudo que via pela frente. E crescia, a cada dia estava maior. Brigava com seus semelhantes pelo domínio das folhas maiores. Sabia que seu tempo era curto. Mas não tinha muitas preocupações, tudo que precisava era comer e crescer. Mãe Gaia poupara-lhe das dores do mundo. O tempo passou. Estava grande, ameaçadora. Chegara até a provocar gritos em humanos distraídos que a viram. Mas então sentiu o chamado selvagem. E escolheu o melhor local do frondoso carvalho. Parou ali e começou a tecer sua prisão. Encolheu-se o máximo que pode, cobrindo-se com a casca dura e fria. Por dias aquele seria seu novo lar. Ali dentro conheceu a dor de se ver em transformação. Suas patas começaram a rasgar sua frágil pele. Seus olhos ficaram cada vez maiores, ate eclodirem de sua pequena cabeça. Seu corpo começou a ganhar uma carapaça dura, que apertava-lhe, causando gritos lamuriosos de silencio.  E então o pior: duas finas peles começaram a quebrar sua armadura. Passou dias em agonia, enquanto aquelas peles cresciam e apertavam-lhe. Ali estava quente, úmido, dolorido. Achou que morreria. Até que ouviu um estalido, e então sua prisão quebrara-se. Olhou ao seu redor, no inicio ficou tonta. Seus novos olhos ainda não acostumados com o brilho daquele sol de outono. Equilibrou-se fragilmente em suas deselegantes patas. E, por instinto, sacudiu aquelas duas peles que tanto lhe fizeram sofrer, descobriu que eram asas. Olhou-as e surpreendeu-se com sua beleza. Eram negras, com manchas azuis brilhante. Sentiu o vento, e então compreendeu tudo: abriu as asas o máximo que pode, mirou a direção do sol e voou. Estava livre. Olhando para o sol, agradeceu pela dor. O caminho para os céus não e fácil, e necessário sofrer antes de ganhar asas.