domingo, 25 de janeiro de 2015

PAIXÃO

Paixão é chama, é um oceano de lava no qual poucos se aventuram com prazer. Paixão é vulcão em erupção, onde a emoção a flor da pele explode em um simples olhar. No território da paixão pequenos gestos causam terremotos. Uma troca de olhares implica num fôlego perdido. De loucos se taxam aqueles que adentram os limites da paixão. Ali, no cerne do sentir, do querer bem e querer sempre, um suspiro explode em fogos nos olhos. É como se os ventos da distância fortalecessem a chama. É uma fogueira ardente que queima todo o meu ser em êxtase. É um desejo cruel por estar ali e estar ali sempre.  É território virgem, onde os limites se limitam a um mais um [as fronteiras são do tamanho de nossos sonhos].  É perder o tempo, esquecer o relógio e entrar em sincronia com o infinito. Vem, vem comigo desenhar esta imagem. Quero usar da aquarela do seu sorriso e do brilho que só encontrei em seus olhos. Quero me aventurar nesta selva que é gostar de alguém. Quero mergulhar [mais uma vez] em seus olhos e me afogar [cada vez mais fundo] em você. 

sábado, 6 de dezembro de 2014

FELICIDADE

É difícil escrever sobre felicidade. Enquanto as mágoas simplesmente inundam o papel os bons momentos insistem em morrer rápido dentro de mim.  É interessante registrar que há algo vivo no meio de toda essa morte. Você talvez gostaria de saber que me perco em seu olhar. E talvez também gostaria de saber que me afogo no seu sorriso. É idiota, estranho e precipitado.  A velha mania de manter sentimentos dentro de muros torna tudo mais difícil. Sair dos muros é quase sinônimo de tudo dar errado. E além de tudo tem o relógio e o calendário insistindo em avisar que é breve. Porém, pode o breve ser intenso e memorável.  Não se pode crer em destino. Abraços não são contratos. A vida vai continuar, e a distância virá. Pessoas certas, tempo errado. Pessoas certas, distância errada. O velho mantra ainda está aqui. Mas uma coisa é certa: lembranças são indeléveis. Estou quebrando todas as regras. Uma vez nadamos juntos em um rio profundo. No geral eu teria que esperar me afogar para vir aqui. Mas não, não nos afoguemos. Eu queria escrever sobre felicidade. Aqui está a prova: eu não sei escrever sobre felicidade. 

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

ATROZ

Atroz, atroz, atroz! Destino cruel e atroz. Grita em mim outro eu. É que se você quer me matar você deve girar logo a porra dessa estaca. Está na hora de ser homem e parar com essa brincadeirinha de enfiá-la tentando causar o menor dano possível. Fume mais um cigarro, bebe mais uma dose e cante mais uma música.

(Prazeres vis e vãos, bênçãos que amaldiçoam sua noite)

Beije mais uma boca e passeie sua mão por mais outro corpo. Não vai funcionar, caralho. Enfie a estaca um pouco mais fundo, isso, com a pressão correta, não deixe sangrar muito. Já entendi há muito o seu jogo covarde: você quer causar dor, mas não quer sujar suas mãos me matando. Qual é a sua afinal? A ideia é me levar à loucura ou à morte? Você me quer morto ou internado num hospício?

(Idiota! Se você morrer ele vai perder o brinquedo favorito, é claro que você louco é mais divertido)

 Atroz, cruel, frio. Está tudo vazio aqui dentro, eu posso gritar por horas seguidas e ninguém vai me ouvir. Está na hora do próximo cigarro, e do próximo drink, o que vai ser dessa vez? Favor parar de gritar no meu ouvido. Você não manda em mim, ou seria eu que não mando em você?

(Eu preciso mesmo responder quem manda em quem aqui?)

Qual das memórias você planejou com mais afinco? A fila, a touca, a música, a parede ou a caixa de som? Esse jogo burro da porra, essa máscara que embeleza e sufoca. Atroz, vazio. Vazio.

Vazio.             Vazio.                    Vazio...

.

.



.

V

A


Z




I







O


Fumaça, calor, há tanto barulho aqui fora. Há tanto silêncio aqui dentro. Pare com esse jogo de fazer meus gritos escorrerem pela minha face enquanto silencia minhas lágrimas.


M
A
T
E
-
M
E
!


 (Faça agora, coloca essa estaca para fora e a use logo)

Enfie um pouco mais à esquerda, mais fundo e gire mais forte.

(Sinta meu sangue quente...  

E
SC
ORR
ENDO)

Pare de me impor o seu pecado e venha lavar suas mãos imundas com meu sangue contaminado, prometo que meu veneno não vai te matar.


(Você venceu. Agora deguste deste cálice) 

domingo, 26 de outubro de 2014

SER

Está decidido: eu não sou. Sou uma fantasia coletiva que vive na minha mente e na de todos que me conhecem. Podem me chamar de louco, me internar, me dopar de tarja preta, eu insisto: eu não sou. Afinal, o que é necessário para ser? Um aglomerado de moléculas químicas orgânicas? Uma alma? Um amor? Uma desilusão? Acho que tenho, ou melhor, já tive isso tudo. Mas hoje eu não tenho mais. Hoje eu sou um fantasma que vaga pelas esquinas fugindo daqueles que não sei como reagiria ao cruzar. Sou um vendedor de sonhos, regados a pesadelos, plantados numa mente angustiada e fertilizados com desejos profundos. Hoje eu tenho colocado meus átomos em risco, fazendo-os interagir com outras moléculas alheias à minha vontade. Tenho falado as coisas que sempre quis, e feito o que tenho vontade. E tenho pagado caro por tudo isso! Mas ainda assim tenho festejado cada ruga e cada novo tom de preto que minhas olheiras atingem: eles me lembram quem eu sou, e como a vida tem sido. Tenho também esperado telefonemas que não vem, e assistido alguns sins transformarem-se em nãos. E tenho tentado não deixar isso me afetar tanto, embora as vezes sem sucesso. Aliás, o sucesso tem me andado em corda bamba, as vezes sorrindo para mim, as vezes rindo de mim como um louco. Mas, bem lá no fundo, eu ainda não sou o que eu queria ser. Eu sou apenas o suficiente para mim. Para você eu sempre serei o que você levou de mim, e, para mim, você sempre será o que deixou perdido no meio de toda essa bagunça. 

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ROMANCE EM DOZE ATOS

Trilha sonora: Dalida - Bang Bang

ATO I
Protagonista I: Em casa, se arrumando.
Protagonista II: Entrando no táxi.

ATO II
Protagonista I: “Maldita fila!”
Protagonista II: Acabou de entrar na festa.

ATO III
Protagonista I: “Entrei, finalmente!”
Protagonista II: “Mais uma dose, por favor!”

ATO IV
Os dois protagonistas estão dançando.

ATO V
Os dois protagonistas trocam olhares e sorrisos.

ATO VI
Um beijo.

ATO VII
Ali, naquele sofá...

ATO VIII
Protagonista I: “Vamos para um lugar mais isolado?”
Protagonista II: “Claro”

ATO IX
Gemidos e arranhões...

ATO X
Protagonista I: “Vamos marcar algo dia desses?”
Protagonista II: “Vamos”

ATO XI
Os dois protagonistas trocam contatos.

ATO FINAL
Protagonista I: Entrando no táxi.
Protagonista II: Em casa, se arrumando.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

VITRINE

             Suzy acordou com o cheiro adocicado de cookies misturado com o cheiro pontudo dos pinheiros do lado de fora da janela. Esfregou seus pequenos olhinhos cinzas enquanto jogava para o lado pequenos pedaços de sonhos e olhou para a luz esbranquiçada do lado de fora. Tinha nevado durante a noite, o gramado onde costumava brincar estava coberto por uma camada fofa de lã branca. Mal podia esperar para estar lá fora fazendo bonecos de neve com Tobby, seu fiel amigo de quatro patas e focinho vermelho.
                Tirou seu pijama e colocou uma roupa quente e confortável, calçou as luvas, as botas e desceu para a cozinha. Sua mãe a recebeu com um sorriso, uma caneca de leite e uma bandeja de cookies recém saídos do forno. Seu pai a recebeu com um cafuné, e um convite para ir com ele comprar seu presente de natal. Aquilo a fez lembrar-se do tempo que ainda acreditava em Papai Noel, e de como sempre acabava adormecendo enquanto esperava o bom velhinho em frente a lareira.
                Mas a magia do natal ainda estava ali. Bastava olhar para o pequeno pinheiro adornado no canto esquerdo da sala, repleto de bolas vermelhas, sinos, luzes e fotos da família. O rádio da cozinha também emanava aquele refrão “Jingle bells, jingle Bells... Jingle all the way... Oh, what fun it is to ride... In a one horse open sleigh”. Suzy amava o natal, mas sempre tinha dificuldades em escolher um presente apenas, havia tantos que a interessavam. Se pudesse ficaria com todos, mas nem sempre conseguia.
                Após o café foi com seu pai para a loja de brinquedos. Ainda estava levemente entorpecida pela quantidade de cookies e canecas de leite que havia tomado, mas no geral estava ansiosa por aquele momento. Andou com o pai pelos corredores da loja, analisando os brinquedos ali disponíveis: ursos, jogos de tabuleiro, bonecas... Havia dado um ou outro sorriso ao ver determinado brinquedo, mas nada ainda tinha atraído toda a sua atenção. Já estava quase desistindo quando a viu no final do corredor.
                Seus olhinhos cinzas brilharam tanto que chegaram a um azul pálido. Puxou o sobretudo do pai e disse “É aquela, papai!”. No meio da vitrine estava uma boneca, solitária, acima das demais, quase esquecida ali pelas muitas crianças que passavam. Não era exatamente graciosa para uma boneca, na verdade o pai não entendeu por que aquela boneca fora colocada ali. Mas o seu lado macabro é que chamou atenção de Suzy. “Nós seremos uma família perfeita, papai: eu, ela e Tobby!”. O pai sorriu e foi pagar pela boneca, agora era só levar a filha para casa e ir comprar as bebidas para a ceia, que era o que realmente importava.
                Ao chegar em casa Suzy chamou Tobby e foi brincar na neve. Em algum momento da tarde correu na geladeira para pegar uma cenoura, roubou o cachecol da mãe pendurado na porta e pegou alguns gravetos pelo chão do quintal. Após certo esforço, e com as mãozinhas quase congelando, estava pronto o Senhor Noel. Ficou ali parada ao lado dele, com Tobby aquecendo seu colo. Três testemunhas mudas do por do sol, que aos poucos tingia a neve de um amarelo dourado. Quando a lua sorriu para eles a mãe lhe chamou para tomar banho.
                Toda aquela água morna a fez perceber que estava com sono. Assim, após a tigela de sopa quente de legumes adormeceu em sua cama. A noite passou num borrão, trazendo-lhe sonhos leves e agitados. Mas a manhã seria manhã de natal, e ela sabia que acordaria com o cheiro não de cookies, mas de panetone e carnes assando. Acordou, seus cinzentos olhos vítreos deixavam sua visão embaçada. Sentiu ao seu lado suas companheiras, embora não pudesse ver mais que suas sombras. Todas com a mesma roupa, todas que sempre estavam ali para as crianças escolherem.
                 Mas ela dera um pouco de sorte, pois estava exposta um pouco acima das demais. Na verdade ela era o centro da vitrine. Todas as crianças estavam ali para escolherem seus brinquedos, e ela dava o máximo de si para ser escolhida por alguém. Não queria passar o natal sozinha, por isso sempre se assegurava de ser escolhida por alguma criança que lhe chamasse a atenção, ou, quem sabe, por algum pai que passava ali correndo para comprar o presente da filha, embora ainda preferisse as crianças.
                A rua estava lotada, algumas velhas caras que sempre passavam ali cobiçando aqueles brinquedos, algumas novas caras que nunca havia visto. Por todos os cantos a música natalina se misturava com os sinos e o coro da igrejinha ao lado. Ao seu lado, via carrinhos sendo levados por meninos risonhos, jogos de tabuleiros sendo carregados por pequenas crianças com óculos redondos de lentes grossas, bonecas sendo levadas por meninas não tão pequenas assim, ursinhos de pelúcia sendo abraçados por garotos e garotas com sardinhas. Tudo estava correndo tão bem como sempre.
                Mas de repente a viu, aquela menininha gordinha que vinha em sua direção. Olhinhos cinza brilhando, de mãos dadas com um senhor carrancudo com um sobretudo preto. Seu coração de boneca disparou, queria ser levada para casa por aquela menininha. Por um breve instante excitou se seria ela a escolhida, afinal há muito estava ali exposta a olhares e avaliações. Mas a garotinha apontou para ela e logo o pai, com uma cara de alívio, pagou por ela. Seu mundo então ficou escuro quando a embrulharam com aquele papel brilhante, mas logo mais poderia brincar para valer. Assim, adormeceu aguardando pela diversão.
                O natal passou. Abriu seus olhinhos, seus braços rígidos pelo sono. Tudo estava estranhamente silencioso. Tobby, como sempre, veio para o seu lado com aquele focinho vermelho gelado e lambeu seu rosto. Eram uma família feliz, as duas e Tobby. O pai e a mãe talvez nem tanto, eles não gostavam muito que olhassem pela cortina, era melhor pensarem que eram perfeitos. Mas nada disso as atingia, elas se davam tão bem. Porém, ela desenvolvia seu plano macabro à medida que os dias passavam. Seria sua vingança silenciosa...

                Uma semana após o ano novo sentiu que era a hora certa. A casa estava dormindo quando ela se levantou, afastou-se dos demais brinquedos com que dormia e a levou pela mão. As duas logo estavam sozinhas na cozinha. Então ela pegou a faca e enfiou naquela barriga macia, enfiou mais uma, duas, três vezes. Estava feito. Deixou a faca de lado, passou por Tobby que ainda dormia e saiu de casa. No dia seguinte, pela manhã, a casa acordou com o grito dos pais ao verem Suzy morta na cozinha. Enquanto isso, do outro lado da cidade, novamente detrás daquela vitrine, a boneca sorria para mais uma garotinha... 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

NÃO DITO

Há algo não vivo vivendo em meu peito
Expulsando essas palavras pelos olhos
Silencioso, calado e sem jeito
Mirando de dentro desses dentes falhos

Há algo não dito escrito em meus lábios
Ouvindo esses versos pelos pêlos
Gelado, vazio e mui inglório
Soando veneno em veios anômalos

É que quando vi o sol adormeci
E quando vi a lua despertei
Deitei c’as estrelas e sonhei

Alto, voando cada vez mais alto
E de repente num assalto
Ousei respirar, emudeci.