segunda-feira, 30 de maio de 2011

Fragmentos

Hoje não dá mais
Apenas feche os olhos
Respire fundo e preencha-se
Não há para onde ir
Hoje você sobreviveu
Até quando conseguirá?

                Quem você acha que é, Poeta?
                Você, que cospe sua dor na minha cara
                Mastiga ódio para engolir amor
                Cale a boca e quebre sua pena
                Seja gente, não tente ser Deus

Estas linhas não têm um tema
Já introduziram até a diarréia na poesia
De nada adianta insistir no novo
Quero agora cantar à dor!
Essa gentil senhora que me alimenta.

                Já explicaram a dor tentando definir amor
                Mas hoje, hoje não dá mais...

Findou-se
O silencio!
Dor,
Agora
Somente você
Energiza-me!

P.S. Esses são apenas fragmentos, tentativas do belo que reduziram-se ao horror da existência imprecisa...

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Tempestade

                Poderia até ter sido uma manhã normal, não fossem o céu cinzento e o frio a incomodarem. Eram como um demônio amedrontando todos, o minuto de silencio antes da salva de tiros no muro de fuzilamento.
                Algumas horas antes ele havia acordado, dado um beijo no filho e rapidamente engolido o pão-com-manteiga-café-com-leite. Animado, rumou ao último dia de labuta, ansioso pela iminente cervejinha com petiscos que viria a noite.
                Chegou à obra, olhou ao redor, admirando mais uma vez aquela sexagenária instituição. O coração inflou-se de um orgulho particular por contribuir na formação daqueles jovens. Inflou-se tão ou mais que os corações levianos que por ali já haviam e ainda batiam.
                As coisas corriam bem: mestres tentavam ensinar quem insistia em não aprender; garotos, alinhados e perfilados no azul, preparavam-se para o brilhante futuro; a corneta tocava para reunir todos para o almoço; formigas continuavam a estocar comida para o inverno próximo...
                Mas o destino tornara aquela sexta mais sombria que as sextas treze. A gravidade resolveu vingar-se por aqueles que morreram por afirmar sua existência. E cuspiu a sua fúria no peito do nela confiante.
                A corneta novamente os reuniu para a educação física, e logo após o tão esperado final de semana. O carro preto e as fitas isolantes passaram despercebidos.  Sequer perceberam que uma vida havia se esvaído para dar lhes um lugar melhor, pois tanto reclamavam do que já tinham.
                Caiu a noite, e nela a luz do bar foi trocada pela luz das velas, o som do pagode pelo do choro. O único líquido ali presente amargava mais que a cervejinha: lágrimas, caindo feito gotas de tempestade da face que nunca mais receberia aquele beijo, áspero, antes de ir para a escola.

terça-feira, 24 de maio de 2011

[amor] Platônico

                “Quisera ser um ás, para voar bem alto.” Tão alto quanto o sol. Em um lugar onde as mágoas seriam tão somente formiguinhas acenando de uma bola azul distante. A brisa, refrescantemente perfumada, sempre tocaria meu rosto, trazendo ar puro e fresco.
                Não haveria dor. As doenças não passariam de ecos cósmicos distantes. Todos os homens se conheceriam. Crianças e cachorros andariam a brincar pelas ruas. Ruas essas cobertas de pedras branco arredondadas, sempre brilhando a luz da lua cheia.
                Os rios seriam transparentes, repletos de peixes coloridos. Suas águas, convite a um mergulho irresistivelmente atrativo. O leiteiro passaria toda manha, deixando o leite fresco e sadio da fazenda. E sempre seria recebido com sorrisos e muito obrigados.
                Não haveria dinheiro. Não, não esse muro de Berlim divisor dos [quase nunca] maus dos [nunca] bons. Regras seriam desnecessárias. Todos seriam plenamente capazes de seguir os seus direitos sem invadir o quintal do vizinho.
                A grama seria sempre verde. O céu sempre azul. Em qualquer época do ano flores perfumariam o campo. As pessoas não machucariam umas as outras. Talvez essa fosse a única exceção à regra de não haver regras.
                Carros, transito, grandes cidades. Que pesadelo! Dignos dos assombrosos filmes de terror. Cruzes, prédios sagrados, livros antigos sem autor definido. Socorro! Estaria-se no país da desalienação.
                Todos seriam livres. A felicidade seria tão abundante quanto o ar que se respira. E eu seria um ás, e voaria bem alto. [mas trocaria tudo, papel, caneta, mundo, pelo seu amor]

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Evanescente

                Ligam os motores e removem as travas das rodas. Ganhando velocidade ao avançarem pela pista, estão decolando. Aos poucos afastam-os da terra. Em um instante estão sós, no firmamento azul. Ao redor somente gelo branco e sol vermelho.
                E então ligam o piloto automático. Estão livres para dominarem. Na verdade não, eles sempre dominam. Daí vem o filme: os primeiros passos. Mas a imagem vem fria, não consegue passar a desafiosa sensação de manter-se de pé.
                A exibição continua: o tombo de bicicleta; aquele beijo, roubado, às escondidas; a noite memorável, regada a álcool e fluidos. Tudo. O vôo é turbulento, varia de acordo com cada cena. São momentos de potencia máxima mesclados com parafusos angustiantes.
                Duração variada: às vezes rápido, às vezes horas continuas. Geralmente noturnos, mas nem sempre. Não é necessária uma pista especifica, pode ser confortável ou não. De preferência nos momentos de descanso.
                Tudo é automático. Escrito. Somente uma coisa não está prevista: a capacidade característica desses pilotos. Eles invadem sua vida, e não deixam quase nada em troca. Somente a sensação do vôo: quente, acolhedora, evanescente... 

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Mácula

Está na hora, dispa-se
Escondido, nada hoje ficará
Não doa, ainda que grite
Um suspiro a mais, apenas dê

É tarde, feche a porta, já
O meu toque, entregue-se para
O que queria não era isto
Provar do amor na dor?

Quente, em fenda úmida, conforte-o
No romper, molhar-se, sinta-o
Pele sobre pele, arranhe com força
Uníssonas, ofegante, respiração

Chegue e grite, ao êxtase
Deite soar, deixe suor
Viva, ainda que esteja, agora
Somente, não morra, desta vez

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Apocaliptico

                Chamem os juristas! Já se provou a tempos que este “bate e espanca” não leva a nada. O sistema que retarda os retardados ou os retardados que retardam o sistema? Corra enquanto há tempo, voe para longe.
                Longe das montanhas, distante da convivência melíflua desta corja. Dizem que são a nata da juventude brasileira, dá pena do resto dos jovens... Sorte que os médicos, engenheiros, advogados, professores, estão longe.
                Não adianta tentar uma harmonia. O remédio vem nas mãos daquela velha senhora vendada. Expiação de erros, frívola. Dor da falta de liberdade, da perda monetária. Passa. Dor psicológica não.
                A sétima trombeta está tocando, não há mais tempo para vocês. Ajeitem o uniforme, prendam-se à aeronave, decolem logo. Rumo ao espaço! Percam-se no buraco negro mais próximo!

domingo, 8 de maio de 2011

Pensamentos

                E se eu afirmasse que te odeio? Será que teria convicção suficiente para tal [e para fazê-la acreditar]? Você sofreria com isso? Tudo que vivemos juntos ainda tem algum valor para você? E se eu morresse hoje, isso mudaria algo em sua vida?
                As dúvidas contidas em interrogações me assombram mais que mil fantasmas. É estranho escrever para você, sabendo que isso não mudará nada. Sinto-me querendo não passar frio estando de camiseta no inverno russo, ou talvez buscando ar fresco em um mergulho na Fossa das Marianas.
                Mais estranho ainda é não preocupar-me com palavras, com estética. Apenas escrever. Friamente, sem beleza. Arranhar o papel com a mesma força que gostaria de estar arranhando  meu coração [que, calejado, nem mais sentiria]. Não preocupar-me com o que vão pensar disso, se vão gostar, se vão odiar.
                No momento estou escrevendo somente para você, mas como sei que não vai ler, acaba sendo um desabafo para mim. Esta é minha carta de amor para ninguém. Sem dor desta vez, somente dúvidas. Talvez um pouco de angústia, nada é perfeito [você é a exceção].
                O sol lá fora é como o amor que sinto, brilha no alto, mas não consegue aquecer nada. Aqui definitivamente não é um lugar bom para os apaixonados, não há lugares para se tirar aquela foto de família de comercial de margarina. Ahh... aquela margarina que eu envenenei e comi, apenas querendo que você tivesse morrido [dentro de mim]...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Apito

                 Acorda! Desta vez é sério! Já estão gritando e apitando lá embaixo, tem até bombas explodindo. Eles vieram pra fazer a derrama de nossos erros, e hoje não há herói nem delator. Todos são culpados até que se prove o contrário. O brilho dos diamantes já se ofuscou há tempos e o ouro esgotou-se destas rochas.
                Os pais são jovens, os filhos mais jovens ainda. O conflito de gerações não é tão alto, apenas a prata nos ombros é um pouco mais dourada que a estrela desbotada. O tradicional saber acadêmico contra o colegiado inexperiente. Não há diversão: sem sinuca, sem pizza, sem desenho animado. Somente o labor da tormenta.
                Talvez estivessem apenas atendendo aqueles inocentes pedidos da época que voavam separados: quando todos se uniram na alegria e pediram um momento de tristeza.  Talvez realmente fosse necessário. Nunca se sabe, são jovens demais para entender e velhos demais para insistirem nos mesmos erros.
               Acordaram esfregando pedaços de sonhos... E correram, e pagaram, e suaram, e gritaram... Agora voltem a dormir meus filhos. A água fria tenta acalmar o corpo quente, o conforto da cama, a véspera do final de semana. E o apito recomeça a gritar...      
 Após tudo finalmente a identidade pode descansar, jogada às pressas sobre a escrivaninha. O sono é breve, logo mais a corneta os acordará. Um murmúrio vindo do alto quebra o frio silencio daquela noite:
 - Por mais quantas vezes ainda veremos essas mesmas cenas de novo?
 - São apenas humanos minha amiga... Nunca aprenderão...  – responde a outra estrela, e volta a dormir seu sono iluminado.