domingo, 16 de dezembro de 2012

ALÉM DO SILÊNCIO


            Assustados, deparamo-nos com o fim. Não mais, em Barbacena, acordaremos com a estridente corneta; cortaremos o rosto com a lâmina de barbear; ouviremos os pacientes mestres; alegrar-nos-emos com lasanha e sorvete, ou reclamaremos do mesmo frango de sempre; pegaremos a arma e depararemos com o sol vespertino na parada diária; enfrentaremos o sono na instrução militar, ou a inclinação da Jesus me chama na educação física; entraremos em forma para o pernoite e passaremos noites e madrugadas cepando na sala de aula. E, sobretudo, pela última vez o brado dos Titãs estremeceu o Pátio da Bandeira e o nome “ATLAS” ecoou pelas montanhas, cobertas pelo eterno céu de anil.
            Três anos passaram-se desde que entramos pelo portão da guarda, trazendo o idealismo de meninos que cedo deixaram a segurança do lar para buscarem seus sonhos. Aqui dentro, deste o início dividimos incertezas e inseguranças. Em todos os momentos, éramos lembrados que formávamos uma família. E quanta segurança nos dava saber que realmente estávamos entre irmãos. Formamos e sempre seremos uma família, a família ATLAS. Juntos enfrentamos desafios, vimos cada um chegar perto de seu limite e vencemos as mais diversas adversidades: EXECs, acionamentos, corridas intermináveis, troca de uniformes, provas escolares, esmagar o chão de cada canto da escola na flexão. 
            Mas seria injusto se não lembrasse os bons momentos vividos aqui dentro. Incalculável é a alegria que cada vitória na Lima Mendes nos proporcionou, com o bandeirão tremulando e os coros de “ATL é o Poder”. Quanto orgulho sentimos ao passar e superar o que talvez nem acreditássemos que conseguiríamos. Quantos sorrisos deram mais vida à querida escola. E é a mesma querida escola que hoje mostrou-se cruel como as águias, tornando o ninho, outrora tão confortável a nos acolher, capaz de nos machucar com seus galhos e impelindo-nos a experimentar nossas frágeis asas e alçar nosso primeiro vôo.  
            Com todas as nossas diferenças construímos nossa identidade. E foram os bons e maus momentos que tornaram cada um de nos homens, forjando em nossos corações e memórias uma amizade que será carregada pelo resto da vida. Tal certeza nos conforta hoje, no momento de partida. Alguns de nos juntar-se-ão aos que já nos deixaram pelo caminho e partirão rumo a vida civil, a maioria continuará buscando o sonho de Ícaro na Academia da Forca Aérea. Não choremos as perdas, cada um tem sua felicidade, apenas continuemos voando. Longe, longe de tudo que é demasiadamente humano para tornar-nos passageiros. 
                Espero que os últimos abraços no pátio da Bandeira tenham sido dados com a mesma alegria dos que trocamos no batismo. Que ao abrirmos esta revista no futuro possamos reviver tudo que passamos dentro da Escola Preparatória de Cadetes-do-Ar, e que, do frio papel, brote as mesmas risadas e lágrimas que permearam nossa caminhada nestes três anos.  Carreguemos sempre dentro do peito a certeza que unidos cumprimos nossa missão, e mantenhamos acessa a glória de tudo termos passado com êxito. Não partamos com a estupidez da despedida, senão com a certeza do reencontro. VOEMOS E SONHEMOS! AOS CÉUS, GUERREIROS DE ATLAS!
Ex Al. 2009/038 Vieira

PS. Um texto diferente, relutei muito em torná-lo público. É o texto final da minha revista de formatura, que, por desencontros, acabou não saindo até hoje. Faz um ano da formatura, por isso a postagem!

domingo, 14 de outubro de 2012

A VOCÊ


                Cartas foram feitas para ter um destinatário: ao devedor, as contas; ao réu, a intimação; ao bom velhinho, o pedido; à amante, o bilhete apressado escrito no guardanapo; à amada, as cartas de amor... Parece lógico, tão certo quanto um mais um são quatro.
                Nessa lógica angustiante e perfeita da dor eu lha remeto, Oh, você, eis que já lhe tive entre os braços meus, mas que o tempo tirou-lhe com tamanha facilidade quanto o acaso do destino que nos uniu.
                Era para eu entregar-lhe todos os meus versos, era para você recebê-los com um sorriso nos lábios. Sorrisos radiantes, tal qual os que trocamos naquelas breves horas. Mas não! Eis que aqui estou escrevendo apenas cartas de amor como que ao vento.
                Estaria mentindo, estou mentindo: pois que cartas de amor não causam feridas, senão sorrisos. Cartas de dor sim, pequenas ratazanas, roedoras infernais de músculos que em algum momento latejaram sangue para o corpo quente.
                Apenas preso à tradição secular lhe dirijo esta carta. Apenas preso à modernidade envio-lha por uma página anônima na web. E, seguindo fielmente a tradição a assino, com o pseudônimo que reflete o que sou para você...
                Com amor,
Nemo

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

OUTRA VEZ


                Outra vez o frio chegou mais cedo. E toda energia vital vai esvaindo-se lentamente, junto com a queda no termômetro. Tudo se tornou apenas outro borrão de cores e sons e algumas lembranças que atormentam a mente. As expectativas já se foram e se consumaram: tudo em uma noite.
                E de novo o vento gelado quebra a alegria do sorriso, quando gélidas brisas bagunçam o cabelo em uma descida qualquer. O caminhar ágil do despertar do dia torna-se apenas uma ida a mais uma monotonia. Tiquetaqueando, o relógio desesperado impõe sua sentença. Passa, anda, corre, voa. Já se foi, e nem se viu.
                Agora a alma gelada minimamente se aquece. Eis que surge aquele brilho branco de seu sorriso em uma foto qualquer à frente. Então quando tudo ganha vida, quase como a primavera que se impõe gelo afora, vem a neve de novo. Mais fria, mais densa, eterna. Cobre tudo com aquela alvidez demoníaca, a mesma dos fantasmas por dentro.
                Pois que tudo não passou de fogueira em meio a uma noite fria, e, ao amanhecer, não havia além de carvão e marcas no chão. Nada era para ser além de hormônios aflorados, e algumas horas em algum templo de Eros. Mas foi, foi além, mesmo contra a vontade que agora agoniza.
                Só que tudo não passa de ilusão. E à mente sobra uma ordem apenas, a cada sinopse sussurrada: “esqueça”. Só que tudo ainda é razão. E ao coração sobra uma ordem apenas, a cada batida gritada: “lembre-se”.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

SOLIDÃO


De entranhas e vísceras grita
Rasga o peito rompe nervos
Pegajosa vã, crua e quente
Massa amorfa, semifecal exalante

De poros e pelos escoa
Queima ao sangue frio
Aperta a garganta esmaga a língua
Num escarro sai cortante

Pois que do corpo tudo já se exalou
Resta metástases sê tumores
Vermes comendo a carne podre...

Gás pútrido infesta em volta
Olhos gelados, apenas
digam. “Olá, velha companheira!”

sábado, 4 de agosto de 2012

DE REPENTE


De repente dois olhares cruzam-se
E um sorriso surge no canto dos lábios
A música para naquele momento
Era fraca, a forte luz que agora ofusca

De repente um beijo é selado na madrugada
Ideias bagunçam em algum lugar por dentro
Abraços fortes, desejos vis de uma noite
Estava calmo, o furacão que agora se ergue

De repente correm para o escuro
Não mais dois, agora um só corpo
A unha arranha as costas, os pelos elevam-se
Ritmada e muda, agora descontrolada respiração

De repente, não mais que de repente [já disse o poeta]
Uma pegada forte, indo mais fundo
Era só um desejo, agora passado
Sozinho de novo, após o gozo 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

VOCÊ JÁ COMEU A PUTA DA ESQUINA?

             Chega um momento que você dá de cara com um paradoxo: escrever ou viver. É quando percebe que não sabe viver sem escrever, tampouco sabe escrever enquanto vive. De repente a verdade fica clara... Todas as lágrimas não escorridas na verdade escorreram em todas as palavras que você leu aqui. Talvez seja a hora de começar a transformar palavras em água com sal. Ou seria melhor morrer de novo?
            Na verdade você sabe que não doeria tanto. Digo mais, nem doeria. É só mais um exemplo desse eterno não-querer-quero-mais. Comece a andar, desça as escadas, acenda um cigarro, corte o pulso. Ops, o politicamente correto me proíbe de te mandar cortar os pulsos. E agora, como ficaremos os depressivos?
            “Que se foda o politicamente correto... A vida é minha”. Estranho. A vida é de tantas pessoas. Ela nunca é só sua, ou pelo menos nunca se vive ela sozinho. A sua vida também é do carinha que plantou o trigo que virou seu pão, é da empresa de internet que te permite ler isso, é até da puta que foi comida e depois paga com a nota de dez que você pagou seu pão [isso se não foi você que comeu a puta da esquina].
            “Não diga isso, que maus modos”. E daí? As vezes a verdade dói né? Ouvir violinos, coros e chorar querendo cortar o pulso parece bem fácil. Na verdade acho que todos às vezes têm certa vontade de morrer. Morrer é fácil, já disse, só não citarei modos, pois ainda é crime incentivar o suicídio. Alias, tentar suicídio é crime. Ou seja, antes de tudo sua vida é do Estado.
             Há tantas coisas mais difíceis lá fora. Longe desse seu mundo eu-quero-eu-posso-eu-mando. Nem era para ser tudo isso, apenas veio. É perigoso deixar o pensamento fluir sem limites, mas, sinceramente, eu prefiro gritar as [nossas] verdades... Agora desliga a merda desse computador e vá lá fora comer a puta da esquina, ou, se for mulher, vai lá dar para o primeiro otário que ver passar na rua.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

VERSOS PODRES


Hoje eu não quero nenhuma rima
Não há palavras para esse sentimento
Acho que o poeta em mim morreu
[ele ao menos chegou a viver?]

Eu queria escrever uma maldição
Mas não há esperança de encontrar a palavra certa
Perda de tempo, o príncipe já virou sapo
[e não seria só esse o real motivo?]

Ficou um rosto vazio em um espelho embaçado
E um cheiro ocre de esgoto invadindo a mente
O dedo vai à garganta, vá se embora
[não, você sabe que esse não é o caminho]

A língua geme com a palavra surda
A boca grita com o gosto do fel
Acendo mais um cigarro, aperto o corte
[e só por hoje você não sangrará mais]

sexta-feira, 13 de julho de 2012

El Bribón Encantador


Bajo la luz de un callejón
Se escucha la voz de un anciano
Con su voz ronca y humilde
Contó la historia de un joven señor

Don Juan Tenorio, el bribón encantador
Cuentan que la magia de su rostro es inmensa
Roba a las mujeres su fe y su razón
Él dominaba a los hombres, le llaman El cid

El cid Don Juan, que apostó al amor de Doña Inés
Que escuchó a la fría piedra en el cementerio
Que ganó la apuesta al derramar más sangre
Que raptó su amada de la paz del convento

Cállate ya mis amigos. Ahora es mi turno para hablar.
Soy Don Juan Tenorio, el bribón encantador
Nací siendo libre y quería mi libertad
Quería  Doña Inés, la novicia hermosa

Pero fue su voluntad renunciar a vivir sin amar
Después de muerto una guerra gané
Burlé a la muerte y volví a encontrar
Después de la agonía, doña Inés en el cielo

Y no hay disfraz que pueda al tiempo burlar
La noche se va cerrando y la historia llega a su fin
El joven se arrepintió de su vida de crimen
Solo queda una pregunta: ¿Por el amor todo vale la pena?

quarta-feira, 27 de junho de 2012

LUX


Tudo estava tão confuso, as cores já não tinham mais sabor e o vento já não tinha mais brilho. A vida estava quase monótona e vazia. O mesmo rosto [não aquele, os novos, o mesmo da vez]. Talvez tudo resumindo-se a um ou outro trago escondido nas madrugadas quentes. Corria-se quase o risco da velha rotina de sempre querer entrar. Estranho, tudo tão novo: tantos lugares, tantas cores, tantos cheiros, tantos rostos. Talvez fosse isso, tudo tantos, tudo tão plural. Novo demais, muita coisa. Não negue. Dessa vez as tortas estavam mais doces. E o bolo nem tinha queimado [na verdade nunca se sabe se ele ainda está no forno]. Ao menos tinha a ilusão de ter-se desligado o gás. Ahh... sinestesia nova, quase uma nova partitura, outra página. Viva! Sangue novo correndo pelas veias! Bem mais sorrisos. Sem mais barreiras. Mas de repente tudo se interrompe: uma luz, forte, capaz de realmente mudar tudo... Ou seria apenas mais outra luz no fim do túnel?

terça-feira, 22 de maio de 2012

De volta as memórias


Eu deveria ter adivinhado que isto aconteceria: talvez as pessoas simplesmente não saibam separar as emoções carnais da razão. É trágico isso! Às vezes as coisas não passam de simples desejo fluindo, e elas não se tornam pior por isso. Pelo contrário, é bom dar vazão aos seus desejos íntimos. E, claro, sem medo de arrepender-se depois.
                Acontece! O pior nem são os fatos. São as conseqüências dos atos falhos. Todos têm a maldita mania de não saber lidar com seus erros. Curioso, pois exatamente quando juramos que vamos esquecer algo ficamos evitando lembrar. E, de tanto resistir, acabamos por lembrar. É como aquela história de que o oposto do amor não é o ódio...”
                - Ei, Nemo!
                - Diga...
                - Você já disse isso.
                - Curioso, mudam as pessoas, mas a imaturidade é a mesma...


domingo, 20 de maio de 2012

Jurista


              Sozinho ele contempla a si mesmo: uma vida inteira dedicada à justiça. Discursos e mais discursos sobre teorias, sobre leis positivas em um mundo natural, sobre leis naturais em um mundo positivo. Rituais de justiça, profissões de fé à razão, defesa, condenação, palavras fortes, mente vazia? Horas aprendendo sobre o que é justiça. Foi justo?
                Ahh... Como é brilhante a teoria! O homem e sua razão já foram até a lua. Condenado é quem tirar dele sua razão. Deixe-o livre! Deixe o ser quem é! A liberdade mostra a real face de todos. Quando se pode fazer tudo poucos fazem o certo. Mas, o que é o certo mesmo? É o velho direito natural ou a lei mais pura e positiva?
                Valeria o mérito a todo custo? Pode o egoísmo preceder a honra? O homem é livre. A cada um o que é seu! Se se acha que um início maculado pode gerar bons frutos há de se cultivar bem as máculas.  Todas as flores são méritos de seus jardineiros. Mesmo que sejam fétidas, mesmo que não sejam               belas, são flores.
                Sozinho ali, no escuro. Não são eles, são outros. Apenas na sua mente, em seus valores. Há muita segurança lá dentro ou pouca liberdade lá fora? Irá ele arrepender-se um dia? Passou a vida a dar sentenças. Seria apenas dever? Ou está fugindo da necessidade de julgar a si mesmo? 

sábado, 11 de fevereiro de 2012

DUST IN THE WIND

                E era ele ali, sozinho, como sempre, em meio à noite fria. A mesma capa surrada, a mesma bota furada. Os cabelos ralos e cinza, a pele sulcada pelo tempo, o corpo já curvado pelos tapinhas nas costas da vida. A vida. A de sempre, criança traquina a lhe sorrir da esquina. Mais próxima. Vento gélido. No horizonte, distante. O sol surgia pálido em meio ao negrume. Frágil esperança de um dia melhor. Perdera a conta de quantas vezes dera bom dia ao sol. Ali, sob aquela mesma arvore. Velho sol, sempre tentando aquecer seu corpo. Num passe de mágica a noite tinha-se ido. Cocoricós ecoando distantes. Uma folha descendo em espiral. Do topo ao chão. Mas ainda era. Era? Era ele o que?  Quem era? Surgiram as velhas notas. Mais. Surgiu o mundo de sempre. Desfocado. Gritos distantes. Corpos correndo.  Sem rugas, cabelos curtos. Era mais um na multidão de rostos. O sol ia ganhando altura, cada vez mais claro e quente. Já não era. Sinestesia de formas e gostos. Tragou o sorriso no vento. Sentiu o gosto de ganhar os ares pela primeira vez. De repente chão. Mato. Frio. Escuro. Pule, corra, marche. Mesmo, quem? Pedacinhos de algodão naqueles dentinhos brancos. Um sanduíche, sangue quente correndo pelos tubos. Vapor, água muito quente. Gritos eufóricos, alegria. Sabão e espuma. Suor esvaindo pelo ralo. Azul escuro contra o céu claro. Pingos pesados de chuva. Culpa, despencando. Ao cair da noite, a musica, a dança. Consumou-se. Corra agora. Silencio. Papel em branco. Ideias fervilhando. Tique-taque. O sol já estava a pino. Outra folha espiralando lenta. Mande notícias. Reverberações. O novo. Pulsante. Alvazulado. Choque. Não era mais ele ali. Um nome, borrado, no muro. Abriu os olhos. Sol. Brilho dourado. Olhar altivo. Sim. Não. Sozinho, ali, era? O brilho no olhar.  Amanhã. Hoje. Ontem. Era, sim, estava ele ali. Finalmente, voou. Ali, apenas poeira, brilho no olhar. Voando.  No vento...