quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O VELHO E O MOÇO

Ele não costuma deixar as coisas certas
Complica o que puder ser complicado
É inteligente, mas prefere parecer tolo e bruto
Faz barulho, bate na mesa
Faz piada, ri do ar fúnebre
Mas só quer cumprir seu papel
Nossos papeis
Ingrato papel, triste papel, excelência para alguns e outros tão tão ruins
Assusta a todos para o bem de todos,
porque ele, no fundo, se importa
quer-nos fazer saber
não sei se os melhores, mas bons o suficiente

Ele deixa tudo parecer assim, como não o é fora dali
É vaidoso, sua imagem é tudo
Quando vem a nós, porém,
não sabe ser ele mesmo. É um personagem.
Mas sente-se bem, talvez inseguro
E por isso tenta ser o que ele não é
E bate, apenas porque pode bater, não pra ensinar
É aprendiz ainda... um aprendiz mais sábio, carrasco aprendiz mais sábio, burro aprendiz
Mas preocupa-se
Quer, também, o nosso bem

E nós? Vamos levando assim,
que o objetivo é o mesmo no fim
quando passar tudo isso, apenas um número e uma letra sobrarão.
[e, talvez só pelas porradas, um pouco de conhecimento]

PS. Baseado [não só] em um texto homônimo, do Eddie. [deveriasersilencio.blogspot.com.br]

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

RECEITA DELES DOIS


Só por hoje ele relevará
E fingirá que não é com ele
Tentará não ver que voltou
Ou fingirá que ali é seu recanto de alegria

Só por hoje ela vai se entregar
Prometeu que amanhã muda de prioridades
E passará a dar menos importância
Prometeu que acordará melhor

Só por hoje ela não amará
Manterá o eterno gostar
Sentimento belo, mas leve

Só por hoje ele não escreverá
Também não chorará
[droga, ele já escreveu. e ele nunca chora.] 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

SENTENÇA*


Vistos etc...
                               
                                  Zé Ninguém, qualificado alhures, opôs Ação Anulatória com Obrigação de Fazer em face da Empresa Vida Longa S/A, visando devolução de produto por excesso de perenidade.

                               Alega o embargante que adquirira o referido bem sem consciência de vontade, em estágio no qual sequer eram-lhe reconhecidos os direitos de nascituro. Diz também ter sofrido coação das células responsáveis pela fecundação, a saber óvulo, XX, de nome desconhecido e espermatozóide, XY, também de nome desconhecido.

                               O embargante suscita, por fim, sua boa fé na convivência com o produto entregue na realização do negócio jurídico entre as células supracitadas, entretanto diz que ela causa-lhe notórios prejuízos. Requer, então, anulação do contrato entre as células, com consequente devolução imediata do produto e a produção de todas as provas de direito cabíveis.

                               Instada a se manifestar, a embargada opôs resistência ao pleito inicial, alegando não ser de sua competência tal feito. Diz também não ser responsável pelo produto entregue, visto que o contrato supra deu-se de maneira natural e espontânea, e tampouco ser responsável pelo modo como o embargante convive com o produto.

                               É o relatório. Fundamento e decido.

                           Trata-se de ação anulatória com devolução de fazer em que o embargante persegue a devolução de produto adquirido em estado de não consciência.

                               Em preliminar faço análise da necessidade de provas. Não há, em todo o ordenamento jurídico, lei que rege a “vida”,  em sua qualidade apenas de vida. O modo como o embargante vive a sua vida, as suas desavenças e suas desgraças diárias não são de competência deste tribunal, tampouco deste país. De minimis non curat praetor.

                               São consequências do acaso do destino, de uma lei natural proveniente do mais asqueroso sistema pré-jurídico. São determinantes da sorte, e de seu par, o azar. Este tribunal visa garantir segurança jurídica, e o embargante, Zé Ninguém, a possui amplamente, prova disto é o ajuizamento desta lide e sua consequente discussão.

                               Em relação ao contrato firmado entre as células supracitadas não há possibilidade de anulamento, tal negócio jurídico deu-se, ad ovo, dentro das características legais necessárias. Ademais, a relação contratual não pode ser revogada por pedido de terceiros sem relação com os contratantes. Cabe ressaltar que as células supra cumprem seu papel social perfeitamente, inexistindo, nos autos, prova cabível ou circunstancia que leve a anulação do referido.

                               Parto, agora, para analise do pedido de devolução do bem adquirido. A alegação do embargante que sua posse deu-se em momento que não tinha consciência jurídica não deve ser considerada. A posse do bem se deu, como determinam as relações de direito civil, quando de seu nascimento com vida.

                               A condição de nascituro não é impedimento para a posse, visto que o embargante não possuía posse do bem durante este estagio de vida. Tendo nascido com vida, adquiriu personalidade jurídica, e, com ela, a capacidade para adquirir direitos e deveres. A posse do bem é, pois, legal.

                               Quanto à coação supostamente sofrida pelo embargante, considero-a nula. Apesar do ordenamento jurídico proteger a condição de nascituro, ela depende da fecundação e, a partir de então, pode se considerar que há um individuo com direitos protegidos, embora sem personalidade. Não havia, pois, a existência do individuo Zé Ninguém na realização do contrato. Evidentemente, se o individuo não existia, ele não poderia ter sido coagido.

                                Aceitar o argumento de possível coação levar-nos-ia ao absurdo de considerar que todas as pessoas são coagidas no momento da fecundação nos diversos aspectos de sua existência, como classe social, cor. A fecundação seria como uma loteria natural, e haveria uma desigualdade intrínseca a toda a sociedade.

                              Sabidamente isto não ocorre. Vivemos em uma sociedade onde todos têm direitos iguais, e o fato do embargante não ter obtido sucesso na vida cabe exclusivamente a ele e a suas atitudes durante sua vida. As coações pré-existentes à vida estão, pois, expurgadas do ordenamento social e jurídico, como o casamento encomendado dos tempos coloniais.

                               A boa fé do embargante em relação ao produto é uma obrigação sua, que até poderia ser usada como argumento, mas entendo incabível a lide. É notório que o embargante, que já alega prejuízos tratando o bem com boa-fé, os teria em maior quantidade caso agisse de má-fé.

                               Agir com boa-fé é, pois, um benefício ao autor e a escolha mais racional possível de sua parte. Entendo, aqui, uma analogia ao suposto inverso do princípio nemo turpitudinem suam allegare potest. Deixo claro que tal entendimento dá-se apenas no caso em lide, pelos atributos a mim concedidos não vejo problema nesta pequena inversão. Iura novit curia.

                               Em relação a manifestação da embargada, entendo plausível o argumento de não ser de competência o anulação pedido. Deveria o embargado ter movido sua ação contra a Empresa Morte Rápida S/A, entretanto não o fez. É impossível à embargada aceitar a devolução do produto entregue. Impossibilium nulla est obligatio.

                               Aceito o argumento que a embargada não é responsável pelo produto entregue, visto que a obrigação jurídica da empresa acabou no nascimento. O produto foi entregue em perfeito estado, e qualquer alegação a garantia é infundada, visto clausula contratual passar tal obrigação para profissionais médicos.

                               Quanto ao modo como o embargante utiliza seu produto, como supracitado, é algo a ser resolvido pelo embargante. O Estado garante-lhe o necessário e todos os seus direitos. Seus revezes são inócuos a ação estatal. Dura lex, sed lex.

                               POR ISSO, pelas competências a mim estabelecidas e pelos argumentos e princípios supracitados, INDEFIRO o pedido de Anulação Contratual, bem como de devolução imediata do bem.

                               CONDENO o tutor do embargante a multa de 10000 unidades monetárias desta federação, por litigância de má fé ao alegar Obrigação de Fazer da embargada quando esta não existia.

                               CONDENO também o autor do processo ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais, que fixo no valor de suas pequenas felicidades diárias, visto ser este o único bem que o embargante ainda tem para oferecer.

                               TRANSLADE cópia desta sentença para os meios publicitários, para que todos os cidadãos desta Federação tomem conhecimento de seus termos.

                               PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE.

                Lugar qualquer, em uma data qualquer.

DESTINO
Juíz de Direito

* O autor ressalta que se trata de um texto fictício. Os argumentos utilizados não exprimem necessariamente a opinião do autor. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

PSICOLOGIA DE UMA CRIANÇA

- Ei, Nemo!
- Diga.
- Por que cê tá chorando?
- Estou triste.
- Mas a mamãe fez bolo de chocolate, fica triste não.
- Não é isso.
- Que foi?
- Você é muito novo para entender.
- Mas eu vejo bobão, e cê tá chorando, cê caiu? Ta dodoí?
- Sim, eu estou.
- Onde? Posso vê?
- Não dá, é no coração.
- Então cê vai morrer?
- Não, vai passar um dia.
- Pede pra mamãe te levar no médico.
- Não tem remédio.
- Ahh...a mamãe disse que machucado que não tem remédio vira casquinha e sara. Não ranca ela não tá...
- Hummm...
- Para de chorar. Oh o machucado que caí semana passada. Sarou.
- Pois é... vai virar uma casquinha.  E depois não vai sobrar nada.
- Vai sim besta, não tá vendo a cicatriz?
- Ok, vai ficar uma cicatriz. Eu não quero conversar.
- Tá, mas para de chorar. Cicatriz não doí.
Silêncio.
- Ei, Nemo.
- Que que foi?
- Cê não quer conversar, né?
- Já falei que não.
- Então vamos brincar.
- Não.
- De vaca amarela, não tem que falar.
- Ok, vamos brincar então.
- Eba!!! Vaca-amarela, pulou na janela, quem conversar primeiro come a bosta dela.
Silêncio.
E nunca tiveram notícias sobre quem ganhou o jogo...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

VERÃO


                  Deu-me certa agonia de viver. Fiquei com medo, muito medo. Peguei papel e caneta e rabisquei algumas ideias. Que alívio! Poupou-me algumas horas rolando na cama. Mas já foi, tão rápido quanto veio. Inspiração são apenas faíscas queimando folhas secas, aquele fogo forte, quente e breve. Acontece que é verão, não se acumulou lenha suficiente para acender grandes fogueiras. Lido melhor com o papel em branco no inverno: uma bela estação, quase garantia de uma lareira crispando por meses seguidos. Mas é verão n`alma ou é realmente verão? Não sei, e realmente não sei se quero saber. Por enquanto preciso apenas mergulhar fundo neste grande oceano dentro de mim, sem medo do abismo a seu fundo. Claro, não dispenso uma pilha de papel em branco, mesmo que eu os rasque sempre com a caneta, rabiscando as mesmas ideias em branco. É preciso saber que terei o que queimar quando as faíscas vierem, lenha ou papel, tanto faz. E, mais do que isso, preciso da certeza que sempre terei uma lareira se o inverno chegar. Eu não consigo enfrentar o frio sem papel, caneta, faíscas e lenha. É assim que eu vivo. Mas agora eu realmente quero aproveitar este verão.

MAIS UMA DE AMOR


Há de se aprender a lidar com um amor
Como os moinhos lidam com o vento
Girando, movendo-se, superando tempestades
Gerando energia pra manter viva a paixão

Há de se aprender a comer um amor
Como esfomeados atacam um prato de comida
Mastigando, despedaçando, engolindo pedaços
Alimentando a fantasia da eternidade

Mas antes é preciso fazer amor
Entregar-se ao outro, tornar-se um
Dividir êxtases e exaltações

Mas antes é preciso silenciar o amor
Sem deixar vestígios, calando-se
Um não dizer quase que dito