domingo, 24 de abril de 2011

Pesadelo

                Pesadelo! Você acorda gritando na madrugada quente. Olha para o lado, os ponteiros do relógio brilham como olhos de um demônio. Respiração ofegante, pulsação acelerada. De novo o mesmo lugar, a mesma perseguição e o mesmo monstro. Você se levanta, toma um copo de água gelada, e logo, genuflexo, clama pelo bom sono. Em um instante tudo se resolve.
                Pesadelo! Mais uma bomba explode. Mais um decide perder sua vida, levando, junto, vários outros. O barulho ensurdecedor desespera a todos, a chama espalha-se, derrubando tudo a sua frente. Fumaça, poeira e sangue misturam-se sob sol frio. Você se levanta, muda de canal, e clama para que aquilo não se repita. Em um instante tudo se resolve.
                Pesadelo! O vizinho está fazendo um churrasco na sexta-feira santa. Não bastassem todas aquelas mulheres que vivem entrando a saindo da casa, todas as músicas no ritmo do mal. Mas é bom ele ir se acostumando com fogo, o terá por toda a eternidade. Você se levanta,  toma mais um copo d`água no seu jejum, e clama pela alma dele. Em um instante tudo se resolve.
                Pesadelo! O Criador está errando a dose de sua experiência,  tantos estão morrendo de frio, fome, sede. Alguns estão enriquecendo-se com o dízimo. A Terra é redonda, o mundo gira e bruxas não existem. Mas este filho no seu quintal está realmente abandonado. Falta-lhe um Pai presente. Você se levanta, fecha a janela e reclama de mais um pedindo comida à sua porta. Solta o cachorro. Em um instante tudo se resolve. 

sábado, 16 de abril de 2011

ID

               Sou os desejos mais sombrios em seu íntimo.  Aquele que sente inveja dos feitos dos seus melhores amigos, que não atende os telefonemas dos que mais ama, que sai pelos cantos mais sombrios fazendo tudo aquilo que você não faz a luz do dia, aquele que se nega a chorar.
     Sou a noite escura, a água mais gelada, o fogo mais quente, o pensamento doentio, o não querer eterno, a inércia que te faz levar todos os dias, o pesadelo que te faz acordar encharcado e gritando.
                Ah! Se você pudesse me ver. Se pudesse ver o ódio que arde em seus olhos todas as vezes que eu tomo o seu ser, perceber o sabor sanguinolento que deixo em sua boca.  Mas não, crimes perfeitos não deixam suspeitos. Consigo tomar o controle sempre que quero entrar. E sair, e ao sair, você nem perceber. 
                Posso destruir sua vida em dois tempos, ou posso tornar lhe a pessoa mais feliz do mundo. Deveria eu deixar lhe escolher o que quer? Melhor não, crueldade é um dos meus maiores atributos. Sua tristeza me deixa forte.
                Não tenha medo de mim, eu sempre estive com você. Até naqueles momentos que estava tudo bem eu estava lá, somente esperando a hora certa de atacar. Muito prazer, sou sua consciência.               

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Versos Brancos

Escolha o dia mais frio do ano
Tome um copo de raiva e dois de mágoa
Adicione pedaços de desilusão e dor
Beba tudo em um gole rápido para anestesiar

Escolha o bisturi mais afiado que puder
Não se esqueça o isqueiro para cauterizar
Comece por tirar o coração, depois as memórias
Estanque todos os sangramentos com fogo

Espere uma semana para se recuperar
Levante-se da cama, encare o mundo
Não repare a tontura, é normal no início

Ande, corra, sorria. Viva!
Terá uma vida perfeita e alegre
Até mesmo se amar alguém que não corresponda

domingo, 10 de abril de 2011

Hurricane

               Não importa quantas vezes eu respirei ao seu lado, eu estava entorpecido. Todos os abraços, beijos e aquele fogo que ardia de desejo foram em vão. As promessas que fizemos foram reduzidas a pó.  A vida nos deu um breve intervalo de tempo, um segmento de reta com início e fim analiticamente calculados.

                Não importa quantas vezes eu chorei, minhas lágrimas não passavam de sal diluído em água. Você nunca devia ter aberto aquela caixa. Tudo por que passamos saiu dela e somente dela. Precisávamos de um silencio sepulcral, não precisávamos de um herói para gritar verdades aos ventos.  

                Não importa quantas vezes eu morra, eu nunca esquecerei o que você nos fez. Exposição radioativa, pois todos correm do perigo. Ou talvez um zoológico, enjaulados para sermos vistos. Longe de casa, longe de quem realmente amamos. Virados do avesso, aberrações ambulantes seja lá onde estivermos.

                Não importa de quem é a culpa, comungamos dos nossos erros e bebemos nossas atitudes. Diga-me, você queria nos matar? Ou somente fazer nos pagar por nossos pecados? Não consigo entender porque o relógio ainda anda, meu mundo parou naquele sábado a noite.
                

quinta-feira, 7 de abril de 2011

BANG!

BANG! A tranqüilidade da aula foi quebrada pelo fogo. BANG! E dá-se o inferno, no lugar do vermelho incandescente, o vermelho viscoso, resto de vidas derramadas. BANG! Ele não estava de brincadeira. BANG! A mente, ainda em aprendizagem, torna-se o alvo. BANG! Grito, correria. BANG! As lágrimas começam a cair demasiadamente, enquanto ele os derrubava um a um. BANG! A tinta vermelha mancha o branco do caderno, ainda novo, esperando ansioso pelo uso do dedicado dono. BANG! Todos se reúnem para ver a queda dos anjos. BANG! Um encontro inesperado com a morte. BANG! Embriagado pelo sangue de suas vitimas, sua piedade clama por dor. BANG! O peso da culpa o invade, ele encara o medo como um velho amigo. BANG! Bons úteros têm carregado maus filhos. BANG! Não há um herói, a menos que você morra.

PS. Algumas ideias retiradas de The Kinslayer, Nightwish. Um texto não tão bom, mas senti necessidade de postar algo sobre a tragédia no Realengo. "/
 

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Sintaxe

                De longe observo o campo de batalha. Como um velho guerreiro não tenho mais tanta capacidade quanto antes. A pena, que golpeava rápida e precisamente o papel, descansa calmamente durante uma pausa e outras das idéias, estes serezinhos demoníacos que preenchem minha mente.
                Minhas metáforas deixaram de ser moiçolas afoitas, são hoje senhoras comportadas, que sentam à mesa para o chá da tarde. As sinestesias, essas eu reduzi a um pouco do claro doce e quente do lugar a que, um dia, almejo chegar.
                Despachei a gramática, esse velha gagá, para o asilo mais próximo. Desprezo todas as leis que tentam encaixotar as palavras. Elas são como gente, devem ser livres. Um neologismo é um bebê, que nasce gritando pela alegria de uma nova vida.
                Sinto um dó tremendo daqueles viciados em métrica, rimas, concordância. Regência então, cruel ditadora que massacra seus súditos. Dissertação, prosa, poesia, conto... será que não vêem que fazem com os textos aquilo que repudiam entre os homens: separam os em raças?
                Quero a liberdade dos anacolutos, uma nova Babel. Quero um idioma sangue, cuja única função seja nutrir todos com comunicação. Afinal para isto serve as palavras, para gritar tudo aquilo que os olhos silenciam. 

sábado, 2 de abril de 2011

Udyat

            Assustado, deparou-se com o fim. A convivência harmônica deu lugar aos socos da verdade. Aqueles, que antes eram irmãos, tornaram-se os mais novos inimigos. E, juntos, pediam sua saída. Exigiam-na com a força que só os jovens têm.

                Seu crime, ir contra o narcisismo daquelas crianças. Justo aquelas que, ao acordarem, vestiam alternadamente sua personalidade verde ou azul. Já, ao dormirem, tentavam sonhar, sem nunca perderem o medo do maldito apito que poderia quebrar seus pesadelos.

                Se fosse questão de confessar teria sido inútil. Os ombros, acostumados somente ao peso áureo-prateado de uma estrela, eram fracos para sustentar a própria culpa. Não podia assumir seus erros. Apenas um menino covarde fugindo da sombra do passado.

              Covardia potencializada em traição. Fez o que pode, não tudo o que queria. Para esconder, o conflito. Crime e castigo. Como normalmente, todos pagaram pelos erros de poucos. Talvez desejassem que o suor lavasse o arrependimento até que ele brilhasse.

              Assim foi feito. Para um, a volta compulsória; o outro ainda dançava, mascarado, o baile. O sol nasceu no horizonte, um o viu pela última vez naquele lugar, já o outro, este ainda tentava alcançá-lo.