domingo, 26 de outubro de 2014

SER

Está decidido: eu não sou. Sou uma fantasia coletiva que vive na minha mente e na de todos que me conhecem. Podem me chamar de louco, me internar, me dopar de tarja preta, eu insisto: eu não sou. Afinal, o que é necessário para ser? Um aglomerado de moléculas químicas orgânicas? Uma alma? Um amor? Uma desilusão? Acho que tenho, ou melhor, já tive isso tudo. Mas hoje eu não tenho mais. Hoje eu sou um fantasma que vaga pelas esquinas fugindo daqueles que não sei como reagiria ao cruzar. Sou um vendedor de sonhos, regados a pesadelos, plantados numa mente angustiada e fertilizados com desejos profundos. Hoje eu tenho colocado meus átomos em risco, fazendo-os interagir com outras moléculas alheias à minha vontade. Tenho falado as coisas que sempre quis, e feito o que tenho vontade. E tenho pagado caro por tudo isso! Mas ainda assim tenho festejado cada ruga e cada novo tom de preto que minhas olheiras atingem: eles me lembram quem eu sou, e como a vida tem sido. Tenho também esperado telefonemas que não vem, e assistido alguns sins transformarem-se em nãos. E tenho tentado não deixar isso me afetar tanto, embora as vezes sem sucesso. Aliás, o sucesso tem me andado em corda bamba, as vezes sorrindo para mim, as vezes rindo de mim como um louco. Mas, bem lá no fundo, eu ainda não sou o que eu queria ser. Eu sou apenas o suficiente para mim. Para você eu sempre serei o que você levou de mim, e, para mim, você sempre será o que deixou perdido no meio de toda essa bagunça. 

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