sexta-feira, 27 de maio de 2011

Tempestade

                Poderia até ter sido uma manhã normal, não fossem o céu cinzento e o frio a incomodarem. Eram como um demônio amedrontando todos, o minuto de silencio antes da salva de tiros no muro de fuzilamento.
                Algumas horas antes ele havia acordado, dado um beijo no filho e rapidamente engolido o pão-com-manteiga-café-com-leite. Animado, rumou ao último dia de labuta, ansioso pela iminente cervejinha com petiscos que viria a noite.
                Chegou à obra, olhou ao redor, admirando mais uma vez aquela sexagenária instituição. O coração inflou-se de um orgulho particular por contribuir na formação daqueles jovens. Inflou-se tão ou mais que os corações levianos que por ali já haviam e ainda batiam.
                As coisas corriam bem: mestres tentavam ensinar quem insistia em não aprender; garotos, alinhados e perfilados no azul, preparavam-se para o brilhante futuro; a corneta tocava para reunir todos para o almoço; formigas continuavam a estocar comida para o inverno próximo...
                Mas o destino tornara aquela sexta mais sombria que as sextas treze. A gravidade resolveu vingar-se por aqueles que morreram por afirmar sua existência. E cuspiu a sua fúria no peito do nela confiante.
                A corneta novamente os reuniu para a educação física, e logo após o tão esperado final de semana. O carro preto e as fitas isolantes passaram despercebidos.  Sequer perceberam que uma vida havia se esvaído para dar lhes um lugar melhor, pois tanto reclamavam do que já tinham.
                Caiu a noite, e nela a luz do bar foi trocada pela luz das velas, o som do pagode pelo do choro. O único líquido ali presente amargava mais que a cervejinha: lágrimas, caindo feito gotas de tempestade da face que nunca mais receberia aquele beijo, áspero, antes de ir para a escola.

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