sexta-feira, 25 de março de 2011

Correspondência

À minha querida mãe,
                Oi mãe! Fale comigo! Tenho me sentido tão só desde que a senhora se foi. Venha, seja lá de onde estiver, e acalente meu corpo frio com seu abraço morno. Abra meus olhos, mãe, eles estão fechados pela cola das inverdades.
                Há tanta coisa que eu não lhe disse: tenho fumado às escondidas, tenho saído com os amigos errados, tenho quebrado todas as regras do mundo que a senhora tanto amava. Talvez mãe, se estivesse viva, envergonhar-se-ia de mim.
                Estou com saudades daquele chocolate frio com bolo recém assado, daquele arroz com feijão que só a senhora sabe temperar, daqueles filmes com pipocas amanteigadas, daquela corrida no campo em dia de chuva.
                Cresci, querida mãe. Talvez até já não tenha sofrido todas as dores do mundo. Mas a pior eu já sofri: a intransitividade de um amor. Sofri tanto que talvez nem mais a senhora consiga ver o brilho pueril em meus aguados olhos azuis.
                Por que foi embora tão cedo mãe? O jogador de dados quebrou-me com este cheque-mate. Eu precisava do seu apoio quando conheci outros lábios, experimentei outros corpos. Mas não, levei sozinho todas as palmadas do mundo, mestre enfurecido armado de palmatória.
                Mãe, pede para ele para voltar. Talvez ele seja bonzinho e deixe. Mas, caso ele negue, peça para me levar. Sei que ele não quer manchar a fama de bom moço e, ademais, quem negaria um pedido seu, mãezinha?
                Tenho que parar agora mãe, diluir a pouca tinta com toda essa água salgada já não está funcionando, a tinta falha no papel mole está criando uma massa horrenda e grossa, a vela está acabando e o galo estridente já está cantando.
                Eu te amo, mamãezinha, esteja onde estiver!
Neverland, 34 brumário, 0OX5
Com amor,
Seu filho

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